nove da tarde

Pedro Alencar
3 min readNov 22, 2021

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Hoje foi um dia bem quente. A temperatura marcava, no meio da tarde, aproximadamente 34ºC. Infelizmente, moro muito longe da praia, mas nada me impedia de sair de casa.

Durante a pandemia, o trabalho e a faculdade se tornaram remotos, então, no meu dia a dia, eu não tenho nenhuma necessidade de sair de casa.

Frequentemente me encontro arrumando coisas pra fazer na rua, só pra ver o lado de fora.

Poxa, eu não tenho uma bolsinha de moedas? Preciso comprar.

Caramba, a toalha não secou? Vou na rua comprar uma sequinha.

Hmmm, que vontade de comprar um papel higiênico.

Sim, tudo acaba sendo algo que eu preciso comprar, afinal, não tenho porque sair de casa.

Mas hoje fez muito calor, e esses são sempre os meus dias preferidos. Eu, particularmente, acho um desperdício ficar dentro de casa com o céu azul brilhando lá fora. Então, botei uma roupa e fui passear.

Acontece que por aqui não tem muito o que fazer. Pra onde eu iria? Meu problema teria se resolvido se a cidade fosse praiana, mas eu tive que improvisar. Sem companhia, tomar um vinho na praça poderia ser um pouco vergonhoso. Não ia querer ser confundido com os emos que, pasmem, ainda existem, e tomam cantina da serra no meio da tarde no centro da cidade.

Então, eu andei. Já tinha escolhido um lugar pra ir, mas estava disposto a achar um mais interessante. Acabei indo no que escolhi primeiro mesmo.

No caminho, porém, algo ocorreu. Fazia uns dez minutos que eu tinha saído de casa, e a preguiça bateu. Não tive vontade de continuar, não quis ir até o final. Tudo o que eu pensava era: “ai que saco, quero voltar pra casa, não tem nada pra fazer na rua”. E não tinha mesmo.

Falido, sem amigos, eu não tinha muito o que fazer, mas fui mesmo assim. Continuei andando. Fui andando até estar longe demais pra desistir, andei até que o pensamento de preguiça se substituísse pelo o de chegar logo no destino final.

É gostoso andar, né? Você pensa, bota a cabeça no lugar.

Queria ser assim.

Eu não boto nada no lugar, tudo se bagunça internamente. Achei que voltando de uma caminhada e uma tarde ao ar livre eu ia ter várias ideias de texto. Não tive nada. Nenhum chamado literário.

Enquanto eu ando, acho que eu realmente entro num estado meditativo, porque é muito difícil eu pensar em algo de fato. Eu me concentro em andar. Me concentro no momento, no que tá acontecendo ao redor. Faço comentários comigo mesmo de algo que vi, me pergunto pra onde é o caminho, comento que tô indo pro lugar errado. É terapêutico, mas, no final, não chego em conclusão nenhuma.

Chegando no destino final, me sentei perto da água. Que delícia, sombra e água num dia quente.

Atrás de mim, um grupo de adolescentes estavam sendo adolescentes. Cê sabe como adolescentes podem ser adolescentes, né? Mas tentei não me incomodar.

Peguei o livro que eu tinha levado e comecei a ler.

Nossa, como eu sou legal. Eu saio de casa e leio um livro, perto da água, na sombra, ignorando adolescentes sendo adolescentes.

Transcendi.

O que eu acho engraçado de momentos assim é que eu não sei se eu realmente tô aproveitando ele porque tá gostoso de fazer, ou se eu tô reproduzindo o momento gostoso de outra pessoa que eu vi e achei legal, sabe?

Enfim, me questiono, mas foi legal, eu curti.

Gosto de sair sozinho assim, comigo mesmo. Eu penso muito, então é bom ter um tempo pra: 1) não pensar 2) não ter ninguém atrapalhando quando eu tô pensando.

No final, sinto que vivi um dia gostoso e não fiquei preso, mais uma vez, dentro de casa.

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